Vi esse texto no Chuteira e Minissaia e cabe perfeito aqui, reduto de peladeiro. O texto é do redator-chefe da Revista VIP Maurício Barros.
É no futebol com os amigos que a gente vê quem tem caráter. O escritor Albert Camus, que era goleiro, já dizia que tudo o que aprendera sobre os homens vinha dos campos de futebol. Gênio. Pura verdade. A gente se mostra no campo. Tinha um cara na minha pelada semanal que cavava faltas. Dá pra acreditar? Pode um sujeito simular falta onde o que vale é a palavra de cada um, a lei do 'pediu, parou'? Justamente porque não tem juiz e o árbitro é a consciência? Pois é, o dito fazia isso. E se achava um craque e ainda por cima esperto. Era um firuleiro improdutivo. Um pária. Ninguém gostava dele nem em campo nem no trabalho. Nem em lugar nenhum.
Se quisermos ter uma vida decente, há certas coisas que a gente não pode fazer no nosso sagrado jogo semanal. Dizer que vai e não aparecer, por exemplo. Só se pode dar cano assim em caso de morte – própria ou de parente coladinho (tio não vale, já é muito longe, e sogra vai de você se vale ausência ou churrasco). Porque a diversão de todos depende da presença de cada um. Jogar com um a menos, pegar um cara emprestado da outra quadra, fazer 'goleiro-linha' são remendos que avacalham qualquer partida. Perde a graça, fica todo mundo rezando pra acabar só porque um disse que ia e não foi.
Outra coisa inadmissível em pelada é não querer revezar no gol. 'Sou uma negação, melhor ir você' é uma frase odiável. Tem que ir e pronto. E se o desgraçado tomar gol de propósito para sair logo dali e ir para a linha, que mofe mais um tempo na função como castigo.
A roupa também diz muito sobre o caráter do peladeiro. Aparecer pra jogar com bermuda de surfista, boné, tênis iate ou camisa pólo é um desrespeito à instituição futebol. Coisa de moleque.
Tem muito gaiato também que, aos primeiros chuviscos durante a tarde, se vê no direito de faltar porque 'como tava chovendo pensei que não ia ter jogo'. Este tipo deve ser defenestrado, nunca mais chamado pra nada. Intempéries não são motivo de cancelamento de jogo. Nunca.
E tem também o que se finge de morto na hora de revezar quando tem um a mais no quórum. 'Quem sai agora?', e o cara quieto, esperando alguém que já saiu se candidatar de novo. Sem falar no imbecil que fica reclamando do goleiro. Goleiro de pelada é um ser à parte, superior, abnegado, uma espécie de santo que topa ficar levando bolada enquanto os outros correm. Não se reclama dele nunca. Na nossa pelada, os goleiros não pagam o aluguel da quadra. É nossa forma de agradecer por eles existirem.
Eu mesmo outro dia cometi um crime ético que julgo grave. Botei a mão na bola e cortei um contra-ataque do meu adversário. Coisa que não se faz. Imediatamente, meu semancol ligou. Levantei o braço e pedi desculpas em alto e bom som. 'Perdão, gente, isso não se faz. Foi reflexo'. Meus amigos me perdoaram. Viram que eu me puni no mesmo instante. O jogo seguiu.
Verdade é que qualquer um desses deslizes de caráter é muito mais grave do que uma entrada mais dura, um xingamento aos berros contra uma entregada da zaga, uma cara feia depois de um gol perdido - tropeços assim são esquecidos já no vestiário ou na mesa da cerveja. Aqueles outros, não. Quando o cara dá o cano sem motivo, reclama ao ir para o gol, se omite na hora de revezar, está no fundo sinalizando que não merece estar ali com a gente toda semana, compartilhando risadas, raivas, botando pra fora nossos monstros. Deve ser demitido da turma, exatamente como fizemos com o rato que cavava faltas.
Craque que sou, gostaria só de registrar o gol de calcanhar que fiz no Fernando que até hoje ele não se esquece. Bola cheia.
Gustavo Pessôa - Vasco
Sobre o jogo de domingo, foi tenso como tinha que ser. Qualquer time, mesmo muito superior, sente a tensão de uma decisão. Para nós, era uma decisão, pra eles não. Mesmo assim, confirmamos nosso favoritismo, a maior arrancada do campeonato (sim, foi a nossa no segundo turno) e o hexa. Como diria o Deus Pet, foda-se a arco-íris.
