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21/01/2009

11 Aquele Carioca de...


Aquele Carioca de 95
Fábio Sá - Fluminense

Há treze anos, eu tinha treze anos. Minha história de fato havia começado havia poucos anos, naquela fase da vida em que a gente começa a ter mais noção do futebol, a acompanhar os resultados, a sacanear e ser sacaneado no colégio. Nessa época, o Fluminense vinha de um jejum inédito na sua história, nove anos de times horrorosos e de diretorias matusaleicas e desinteressadas. A torcida via o clube trocar sua vocação de grandes times vencedores – a Máquina da década de 70, o Brasileiro em 84, e o tri em 83-84-85 – por uma triste nostalgia reforçada a cada início de temporada com o anúncio de elencos bizonhos contendo ‘reforços’ como Rangel, Márcio Baby e Ronald. O descaso das diretorias nessa época foi tão profundo, que culminou na patética seqüência de rebaixamentos do triênio 96-97-98, levando o clube ao fundo do poço, e a uma profunda reformulação em 99, capitaneada pelo tricolor Parreira, que fez com que o clube voltasse a pensar grande e a ganhar 4 títulos nos 8 anos seguintes. Mas esse é só o pano de fundo para o tema deste texto. Sobre um ano que interrompeu quase uma década de sofrimento e que, se não serviu pro clube arrumar a casa pros anos seguintes como deveria ter feito, pelo menos entrou para a história não só do Fluminense, mas do Futebol. Foi um ano rodrigueano, com certeza.

Na minha curta história particular de futebol, eu vinha de três insucessos muito recentes contra rivais cariocas, insucessos estes que me fizeram ainda mais tricolor. Perdemos em 91, em 92 e em 93. Chegávamos desacreditados, com “timinhos”, íamos ao Maracanã esperançosos de que aquele ano seria diferente, e ficávamos a ver navios (ou caravelas, se me permite uma auto-sacaneada). Então, escaldado por essas três porradas consecutivas, o início da temporada de 1995 não me trazia esperança nenhuma. Estava claro que o clube da beira da lagoa, comemorando seu centenário da atividade de pegar na madeira pra andar de barquinho, não mediria esforços para faturar o caneco e impedir o tetra da colônia portuguesa. O time que eles montaram era incomparavelmente melhor do que qualquer um dos rivais, bastando dizer que tinham dois jogadores titulares da seleção que havia conquistado a Copa no ano anterior. Não só titulares, protagonistas: um fez o gol mais importante da Copa e o outro simplesmente tinha sido eleito pela Fifa o melhor jogador do mundo de 94. A contratação do Romário na época seria como se, hoje, algum clube brasileiro contratasse o Kaká ou o Cristiano Ronaldo, sem nenhum exagero, e ainda trouxesse o Pirlo junto. O Fluminense, por outro lado, apostava num jogador decadente, sem clube, recentemente dispensado pelo Galo depois de uma temporada sofrível, mais lembrado pelos jornais pela sua fanfarronice do que pelo bom futebol, que ele parecia ter esquecido depois do vice do brasileiro no Botafogo em 92. Renato Gaúcho era uma tentativa desesperada de um clube sem dinheiro, sem crédito, sem a confiança da sua torcida, de medir forças com o super-time do urubu comandado pelo Luxemburgo, com a banca tricampeã vascaína, e com o maior time da história do botafogo (com Vagner, Gottardo, Gonçalves, Beto, Sérgio Manoel, Donizete, Túlio...), que começava a ser montado naquele estadual. Ou seja, apostar no Fluminense naquele ano seria deixar clara a total falta de apreço por bens materiais.

Aquele ano começou muito difícil para o meu pai. Foi o ano em que a mãe dele, minha avó Helena, foi encontrar meu avô Luiz lá em cima. Eu não consigo imaginar o tamanho do vazio que ficou dentro do peito dele e, apesar de saber que um dia isso acontece para todos nós, é o tipo de coisa que ninguém quer pensar como pode ser, até o dia que acontece.

Meu pai é um super-herói tricolor. Já falei isso antes e repito agora. Ele criou três filhos tão tricolores quanto ele, que cresceram naquela época negra que eu descrevi lá no início. E não só a época era negra, mas o ambiente era completamente desfavorável. Na família, todos os tios torciam (torcem) pro time pegador de remo, e faziam de tudo para converter os sobrinhos. Nas ruas, ir ao Maracanã era muito mais perigoso do que é hoje em dia: todo clássico tinha arrastões, briga nas arquibancadas, torcidas correndo lá pra cima para brigarem no anel superior (“vem pra porrada, vem...”), era o inferno. E meu pai, sozinho, levava três filhos praquele caos. Naquele ano, Marcelo já tinha seus 17; eu tinha 13; e a Thaíssa, com 8, ainda curtia os clássicos pela TV, estreando com a gente no Maraca um pouco depois. Foi no Maracanã que aprendemos lições de vida que marcaram nosso caráter e serviram de exemplo para muitas outras situações de vida.

Mas vamos ao Carioca de 95. Na verdade, direto à final. Peraí, mas não sem antes passar pelos Fla-Flus daquele ano. Logo na estréia do Romário, Maracanã abarrotado, o Fluminense massacrou, ele nem tocou na bola, e o placar só não saiu do zero porque uma bomba do Djair caprichosamente explodiu no travessão. No segundo, 3 a 1; o terceiro foi 4 a 3, e essa p... bom, deixa pra lá. Mas, por incrível que pareça, o jogo mais importante antes da final foi uma virada contra o vasco, 3 a 2 com atuação de gala do ‘craque’ Rogerinho (deve ser por isso que uns e outros vascaíndos lembram tão bem dele). Ali nós matamos o vasco, tirando eles da briga pelo tetra, e exorcizamos os fantasmas dos dois vices contra eles. Foi um jogo eletrizante, e só àquela altura do campeonato é que a torcida passou a acreditar no inacreditável.

Chegamos à final. Ainda desacreditados pelos rivais, que só precisavam de um empate para levantarem o caneco e insistiam em dizer que os outros 3 jogos tinham sido atípicos, coisa de sorte. Eram 120 mil no Maraca, mais da metade de desdentados. Como o freguês tem sempre razão, a gente não discutia.

Maracanã abarrotado de novo. Ambas as torcidas muito confiantes: eles, no super-time; nós, na promessa que o Renato fez de ser o Rei do Rio. Mas, no nosso lado, a cabeça não nos deixava esquecer das tais três porradas.

Começa o jogo, e só dá Fluminense. Um baile, como das outras vezes. Bola de pé em pé, gol do Renato, mais um pra cima deles. O baile continua, e o Flu parece colocar a mão na taça com o segundo gol, dessa vez do Leonardo. Final de primeiro tempo, 2 a 0 e o time jogando pra fazer mais um monte. Mas futebol não é basquete nem vôlei nem natação, por isso é o melhor esporte do mundo. Os times voltaram pro segundo tempo e então começou outro jogo. O Fluminense, que jogou o primeiro tempo como que por música, desafinou e deixou o clube de regatas crescer. Como num enredo de teatro, aquele que era tido como protagonista resolveu dar as caras: gol do Romário, e eles descontam. Como o empate era deles, foi a senha pra torcida se empolgar e empurrar o time. Pressão monstruosa, e acontece o que a gente mais temia: gol (Fabinho), empate, 2 a 2. Depois disso, o time perdeu a cabeça e teve o Lira expulso (a expulsão do Lima foi depois). Pensei: fodeu. Já vi esse filme antes e, como mulher de malandro, estava lá para a quarta reprise. Não é possível, não tenho problema em sofrer pelo time, mas viver de sofrimento é demais, é exagero, ninguém merece, é botafoguense demais pra mim. Foi aí que olhei pro lado e vi o meu pai. Estávamos só nós dois, porque meu irmão foi com um amigo, com quem ia viajar de férias logo depois do fim do jogo e minha irmã ainda era pequena. Mas havia uma terceira pessoa ali na arquibancada, entre aquelas 120 mil cabeças, que eu não tinha visto até então. Naquele momento, meu pai foi filho por uma última vez, e pediu ajuda pra mãe dele. No barulho ensurdecedor do Maracanã, ele falou baixinho: “Dona Helena, precisamos de você”. Naquele dia, o Sobrenatural de Almeida deu lugar à minha avó.



O que vem em seguida todo mundo já sabe. Eu lembro do lance como se fosse agora, basta fechar os olhos. O Ronald deu pro Aílton e, no que o Aílton recebeu, eu só conseguia gritar “Chuta, filhadaputa, chuta que o jogo vai acabar”. E o Aílton fez que ia chutar pra uma lado, o Charles pulou, ele fez que ia chutar para o outro, o Charles pulou de novo, e então ele chutou, e a bola passou por oitenta pessoas num espaço inimaginável, e seu destino era encontrar com a linha de fundo, e o mundo seria mais injusto e triste se o destino tivesse seguido seu curso natural. Mas, naquele dia, a bola viu seu destino encontrar um cara que tinha o rei na barriga.

Nunca houve silêncio tão profundo. Nunca alguns segundos demoraram tanto. Como o lance foi na baliza do lado de lá, nós não sabíamos o que tinha acontecido, até que a torcida deles trocou o grito de “É Campeão!” por um silêncio mortal, o Renato saiu correndo igual a um louco, e o placar escreveu AÍLTON-AÍLTON-AÍLTON.

Olhei para o meu pai e, pela primeira vez, vi o homem mais forte do mundo chorando. Nós nos abraçamos, comemoramos com outros tricolores, e agradecemos a sabedoria do Homem, por escrever certo por linhas tão tortas e tão sofridas.

Uma vez freguês, sempre freguês – especialmente na festa do centenário, e com o melhor do mundo em campo.

Há 13 anos eu tinha 13 anos e vi o Bem vencer o Mal, como de costume.

Saudações Tricolores

11 comentários:

Anônimo disse...

Se alguém fizer um resumo eu leio...

Gustavo Pessôa disse...

provavelmente é um flamenguista pedindo um resumo...

Resumindo: a parte sem dente achou q ia canta "é campeão" no ano do centenário e viu um churrasqueiro fazendo gol de barriga e calando os banguelas. 3 anos depois viu o Vasco ser campeão no ano do centenário.

Urubu otário. O bacalhau é campeão no centenário.

Anônimo disse...

excelente texto! mas faltaram alguns detalhes.

perdemos em 91, 93 e 94 (com gol do Jardel). não lembro de 92 não.

até essa partida Romário nunca tinha feito gol no Fluminense.

acabamos o jogo com 3 expulsos, praticamente toda a defesa. Sorlei, Lima e Lira.

além de Branco e Romário, eles tinham o Sávio, na época a "maior" revelação do futebol brasileiro.

Luxemburgo era o melhor técnico, tinha acabado de ser bicampeão paulista e brasileiro pelo Palmeiras.

esse foi nosso primeiro título do centenário, depois fomos bicampeões em 2002.

ao contrário de muitos cariocas, do jeito que foi, esse é inesquecível para todos. para nós, para eles que tem trauma de uma final conosco e para as outras torcidas que não precisaram ver outro arrastão na cidade.

nada é mais bonito do que ver aquela imensidão gritar é campeão e no finalzinho apenas se calar e sair do estádio cabisbaixos. esse deve ser o momento que todo vascaíno espera um dia ver, e eu torço por isso. chega de sermos os únicos que vencem o mal em final.

Anônimo disse...

dps dessa secao Aquele carioca de....
poderiamos fazer aquele rebaixamento de.....
o unico q infelizmente nao ia poder escrever seria o Fernando...do resto poderiam continuar os mesmos autores...

Anônimo disse...

Boa ideia, Anônimo

E também poderíamos escrever sobre "Aquele Brasileiro de..."

Mas não vale não ter opção

Gustavo Pessôa disse...

"aquele brasileiro de..." ia rolar briga... eu e o Leo vendo quem falaria de 97.. de 2000... nao entrariamos num denominador comum.

"aquela libertadores de..." tbm seria bem legal...

Anônimo disse...

E aquela "taça de prata de saltos ornamentais..."

Anônimo disse...

E aquela "taça brasil de water-polo de..." então?

Anônimo disse...

Podíamos fazer "aquele rebaixamento de" na mesma semana do "aquele mundial de" pra manter o equilíbrio.

O que acham?

Anônimo disse...

Gustavice,
Sugiro um enquete "Qual será a final do Carioca 2009".

Flamengo X Botafogo

Esse é o meu voto.

Gustavo Pessôa disse...

Jp, sobre o "aquele mundial de..." nem você (o mais idoso do blog) poderá escrever. Nem você viu... e não me venha com "eu vi com meu pai, a gente tava na sala lá em Vila Velha" pq essa não cola. Faz tempo e você não viu nada.

Sobre a enquete, sua sugestão será a próxima.